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Gesta Francorum XIV - Os Turcos Esmagados em Kerbogha



A partir dessa hora [N.R.: do achado da Santa Lança] reunimos-nos em conselho de batalha. Imediatamente, todos os nossos líderes decidiram o plano de enviar um mensageiro para os Turcos, inimigos de Cristo, para perguntar-lhes afirmativamente:

‒ “Por que motivo entrastes insolentemente na terra dos Cristãos, e por que acampastes, e por que matais e assaltais os servos de Cristo?”

Quando seu discurso já tinha terminado, encontraram a Pedro o Eremita e Herlwin, e disseram-lhes o seguinte:

‒ “Ide para o exército maldito dos Turcos e cuidadosamente dizei-lhes tudo isso, perguntando-lhes porque eles ousada e arrogantemente entraram nas terras dos Cristãos e nas nossas próprias”.

Ao ouvir estas palavras, os mensageiros partiram e foram para a assembléia profana, dizendo tudo a Curbara e aos outros da seguinte forma:

‒ “Nossos chefes e nobres gostariam de saber porque razão vós, precipitada e arrogantemente, entrastes em sua terra, a terra dos Cristãos.

“Pensamos que, sem dúvida, e acreditamos que vós viestes para cá porque desejais vos tornar inteiramente cristãos; ou viestes aqui com o propósito de molestar os cristãos em todos os sentidos?

“Todos os nossos chefes juntos pedem-lhe, portanto, que rapidamente deixem a terra de Deus e dos cristãos, que o santo apóstolo Pedro, por sua pregação, converteu há muito tempo ao culto de Cristo.


“Mas eles concedem, além disso, que podeis levar consigo todos os vossos pertences, cavalos, mulas, jumentos, camelos, carneiros e gado; ser-lhes-á permitido carregar convosco todos os demais pertences, onde quer que desejem”.

Então Curbara, chefe do exército do Sultão da Pérsia, com todos os outros, cheio de arrogância, respondeu em linguagem feroz:

‒ Vosso Deus e vosso cristianismo, não procuramos e nem desejamos, mas absolutamente rejeitamos a vós e a eles. Agora, chegamos aqui porque muito nos admirava que os príncipes e nobres que vós mencionais chamem esta terra deles, a terra que tiramos de um povo efeminado.

Agora, quereis saber o que estamos lhe dizendo? Portanto, voltem logo e informem os seus senhores que se desejarem tornar-se turcos, em tudo, e quiserem negar o Deus que vós adorais de cabeça baixa, e desprezar suas leis, nós lhes daremos isso e mais terras, castelos e cidades suficientes.  Além disso, por outro lado, (faremos) com que mais nenhum de vós sejais soldado de infantaria, mas serão todos cavaleiros, como somos e sempre os teremos em alta estima.

Caso contrário, saibam que todos serão punidos de morte, ou serão levados acorrentados para Chorosan, para servir a nós e a nossos filhos em cativeiro perpétuo.

Nossos mensageiros rapidamente voltaram, relatando tudo o que essa raça crudelíssima havia respondido. 

Dizia-se que Herlwin conhecia ambas as línguas, e ter sido o intérprete de Pedro, o Eremita.


Enquanto isso, nosso exército, ameaçado de ambos os lados, não sabia o que fazer, pois de um lado eram perseguidos pela fome torturante, e de outro eram constrangidos pelo medo dos turcos.

Finalmente, quando completaram-se os três dias de jejum, e foi realizada uma procissão de uma igreja para outra, eles confessaram os seus pecados, foram absolvidos, e fielmente receberam a Comunhão do Corpo e Sangue de Cristo; após a coleta das esmolas, celebrou-se uma Missa.

Em seguida, foram formadas seis fileiras de batalha com as forças dentro da cidade.

Na primeira fileira, bem à frente, estava Hugo, o Grande com os Francos e o Conde de Flandres; na segunda, o Duque Godofredo com seu exército; na terceira estava Roberto o Normando, com seus cavaleiros; na quarta, trazendo consigo a Lança do Salvador, estava o Bispo de Puy, juntamente com seu povo e com o exército de Raimundo, o Conde de Saint-Gilles, que ficou para trás para observar a cidadela de medo que os turcos descessem à cidade; na quinta fileira estava Tancredo, filho de Marchisus, com seu povo, e na sexta fileira estava o sábio Boemundo, com seu exército.

Nossos bispos, sacerdotes, clérigos e monges, vestidos com paramentos sagrados, saíram conosco com cruzes, orando e suplicando ao Senhor que nos protegesse, guardasse e livrasse de todo o mal.
Alguns ficaram na muralha da porta, portando as sagradas cruzes, fazendo o sinal (da cruz) e nos abençoando.

Assim estávamos armados, e, protegidos com o sinal da cruz saímos pelo portão que fica diante da mesquita.

Depois que Curbara viu as fileiras dos Francos, tão bem formadas, saindo uma após a outra, disse:

‒ “Deixem-nas sair, para que melhor possamos tê-las em nosso poder!”

Mas depois que saíram da cidade e Curbara viu o enorme exército dos Francos, ele foi muitíssimo assustado.

Imediatamente enviou um recado para o seu Emir, que era encarregado de tudo, que se visse uma luz queimando na frente do exército, deveria mandar soar as trombetas para que ele recuasse, sabendo que os turcos haviam perdido a batalha.

Curbara começou imediatamente a se retirar pouco a pouco em direção à montanha, e os nossos homens seguiram-lhes pouco a pouco.

Finalmente os turcos se dividiram, uma parte foi para o mar e o resto parou ali, esperando fechar os nossos homens entre si. Quando nossos homens viram isso, fizeram o mesmo.

Uma sétima fileira foi formada lá, a partir das fileiras do Duque Godofredo e do Conde da Normandia, e em sua cabeça estava Reinaldo.

Eles enviaram esta fileira de encontro aos Turcos que estavam vindo por mar.

Os Turcos, no entanto, travaram batalha com eles, e lançando flechas mataram muitos dos nossos homens. 

Outros esquadrões, além disso, passaram do rio para a montanha, que estava a cerca de duas milhas de distância.

Os esquadrões começaram a surgir de ambos os lados e a cercar nossos homens de todos os lados, lançando jabalinas, atirando flechas e ferindo-os.

Saíram também das montanhas inúmeros exércitos com cavalos brancos, cujos estandartes eram todos brancos.

E assim, quando nossos líderes viram este exército, ignoravam inteiramente o que era e que eram, até que reconheceram a ajuda de Cristo, cujos líderes eram São Jorge, São Mercúrio e São Demétrio.

Deve-se acreditar nisso porque muitos de nossos homens viu isso. Entretanto, quando os Turcos, que estavam estacionados no lado em direção ao mar, vendo que não podiam agüentar mais, atearam fogo à vegetação de modo que, ao ver isso, aqueles que estavam nas tendas fugiriam.

Estes, reconhecendo esse sinal, pegaram todos seus despojos preciosos e fugiram. Mas nossos homens combateram ainda um tempo onde se encontrava o maior exército dos turcos), ou seja, na região das tendas.

O Duque Godofredo, o Conde de Flandres, e Hugo, o Grande cavalgavam perto da água, onde estava a força do inimigo. Estes homens, fortificados pelo sinal da cruz, juntos atacaram o inimigo primeiro. Quando as outras fileiras viram isso, também atacaram.

Os Turcos e os Persas, por sua vez, bradaram. Então, invocamos o Deus vivo e verdadeiro e os atacamos, e em nome de Jesus Cristo e do Santo Sepulcro começamos a batalha, e, com a ajuda de Deus, os derrotamos. Mas os Turcos, apavorados, começaram a fugir e nossos homens os seguiram até suas tendas.

Então, os cavaleiros de Cristo preferiram persegui-los a procurar espólios, e os perseguiram até a Ponte de Ferro e, em seguida até a fortaleza de Tancredo.

O inimigo, na verdade, deixou seus estandartes lá, ouro, prata e muitos ornamentos, também carneiros, gado, cavalos, mulas, camelos, burros, cereais, vinho, manteiga, e muitas outras coisas de que precisávamos.

Quando os Armênios e Sírios, que habitavam nessas regiões, souberam que havíamos vencido os Turcos, correram para a montanha para encontrá-los e mataram tantos quantos puderam pegar.

Nós, porém, retornamos à cidade com grande alegria e louvando e abençoando a Deus, que deu a vitória ao Seu povo.

Então, quando o emir, que estava guardando a cidadela, viu que Curbara e todo o resto havia fugido do campo diante do exército dos Francos, ficou muito assustado.

Imediatamente e com grande pressa procurou os estandartes dos Francos. Assim, o Conde de Saint Gilles, que estava estacionado diante da cidadela, ordenou que seu estandarte fosse levado até ele. O emir pegou-o e colocou-o cuidadosamente sobre a torre. O Longobardos que estavam lá disseram imediatamente:

‒ “Este não é o estandarte de Boemundo!”

Então o emir perguntou e disse: “De quem é?”

Eles responderam: “Pertence ao Conde de St. Gilles”.

Nisto o Emir foi e tomou o estandarte e devolveu-o para o Conde. Mas naquela hora o venerável Boemundo veio e deu-lhe seu estandarte.

Ele recebeu-o com grande alegria e entrou em um acordo com Boemundo ‒ de que os pagãos que desejassem abraçar o Cristianismo poderiam ficar com ele, e que ele deveria permitir que aqueles que desejassem ir embora que partissem a salvo e sem serem molestados.

Ele concordou com tudo o que o emir pediu e logo enviou os seus servos para a cidadela. Poucos dias depois disto, o Emir foi batizado com aqueles de seus homens, que preferiram reconhecer a Cristo.
Mas aqueles que desejaram aderir à suas próprias leis, o Senhor Boemundo mandou que fossem conduzidos para a terra dos Sarracenos.

Esta batalha foi travada no quarto dia antes das calendas de Julho, na vigília dos apóstolos Pedro e Paulo, no reinado de Nosso Senhor Jesus Cristo, de Quem é a honra e glória para todo o sempre. Amém.

E depois que nossos inimigos haviam sido completamente conquistados, demos graças a Deus Trino e Uno, o Altíssimo.

Alguns dos inimigos, exaustos, outros, feridos em sua fuga desvairada, sucumbiram à morte no vale, floresta, campos e estradas.

Mas o povo de Cristo, isto é, os peregrinos vitoriosos voltaram para a cidade, rejubilando-se do feliz triunfo sobre o inimigo derrotado.


Fonte: August C. Krey, A Primeira Cruzada: relatos das testemunhas e participantes, (Princeton: 1921), 182-85.

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