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O RPG e o ensino de História - 2° parte



2. O RPG e a possibilidade de “falsear o passado”

 Uma partida de RPG assemelha-se bastante a uma peça de teatro. Encontramos no jogo um mestre, ou GM (game master), e jogadores que criam e incorporam personagens. Assim, o GM cria uma história e a narra para os jogadores, que atuam dentro da narrativa, realizando ações plausíveis com a personalidade de cada personagem. Isso tudo acontece no interior de um cenário pré-estabelecido e fictício, que pode variar desde uma tentativa de demonstrar uma possível Grécia Clássica ou uma galáxia distante, com dragões e cavaleiros cibernéticos. É necessário afirmar que as ações das personagens também são fictícias, assim sendo, se uma delas tiver de saltar, por exemplo, o jogador apenas verbalizará a ação, apontando como sua personagem age.

Esse jogo de interpretar pode mesclar dados históricos numa partida, sem abrir mão do elemento lúdico, importante para a atenção dos alunos, além de instigá-los à imaginação. Uma partida ministrada por um professor competente pode, sim, esclarecer para os alunos variados temas históricos. Graças a seu caráter flexível, o RPG presenteia-nos com variadas possibilidades; mediante seus cenários infinitos, pode-se jogar em qualquer período histórico, assim como em infindáveis recortes temáticos. Além disso, o jogo é moldado de acordo com o padrão criativo do grupo, podendo ser observadas personagens como o velho estereótipo à procura de fama ou indivíduos enigmáticos, como um príncipe dinamarquês chamado Hamlet.

O RPG também é útil no processo de formação social do indivíduo, uma vez que os jogadores interagem entre si, trocando ideias e expondo suas ações, desenvolvendo um processo de socialização e uma percepção de que seus atos geram consequências. Esta linguagem beneficia bastante os alunos que têm dificuldades de relação com os outros, tornando-os mais sociáveis, devido a grande interação que o jogo proporciona. O desenvolvimento do espírito de equipe é importantíssimo neste mundo em que vivemos cercados por disputas e atividades competitivas, e este jogo também proporciona aos jogadores o espírito de grupo e de cooperação. Vale salientar que no RPG não existe vencedor e perdedor e que, antes de tudo, deve existir o respeito entre os jogadores.

Não é demasiado afirmar que a prática dos alunos assumirem papéis de personagens faz com que se reconheçam como agentes históricos, inseridos nesse processo, mostrando, assim, aos jovens uma maneira de construir sua identidade e seus lugar e papel em sociedade, abrindo-lhes caminhos para uma conscientização político-social. É importante lembrar que não se deve fazer uso da imaginação para inventar fatos e personagens históricos através do jogo, mas sim tentar reconstituir esses fatos e essas personagens.

Existe a possibilidade do roleplaying game “falsear” o passado na tentativa de reconstituição, entretanto, o mesmo acontece com o ensino tradicional e com a pesquisa didática. O gênio metafísico Emanuel Kant admitia que as sensações entregues apenas por si não passam de um aglomerado caótico. No entanto, o cérebro é capaz de organizá-las em torno do espaço e do tempo, tornando-as ordenas. Assim, é notório que esse órgão modifica a realidade, modelando as sensações em um significado. Então, a matéria que se apresenta para nós é nada mais que um fenômeno, uma aparência talvez demasiada diferente do objeto externo, antes de ser colocado à mercê de nossos sentidos.

De acordo com esse filósofo, apenas conhecemos o item tal como é transformado em ideia, não podemos conhecê-lo como ele realmente é. Assim, o conhecimento científico não pode ser absoluto, afinal a realidade é corrompida por nossos sentidos e percepção, que variam de um indivíduo para outro. A corrente idealista ganhou força através de Hegel, que aponta que a realidade só existe graças à nossa percepção ou àquilo que os nossos sentidos “criam” ao nosso redor. Todavia, a corrente materialista, defendida por Karl Marx, explica que os objetos existem independentes de nossos sentidos, mas que a percepção é passível sim de “falsificações”, assim como Nietzsche, que nega tanto o idealismo hegeliano quanto o sensualismo iluminista e afirma ironicamente: “Como se o conhecimento chegasse a discernir o seu objeto, pura e simplesmente, com “coisa em si”, como se não houvesse falsificação, que por parte do sujeito, quer por parte do objeto”.

Notamos, então, a relatividade no campo científico, não sabemos como é o real. O que há são leituras da realidade. Na historiografia, ainda existem as diferenças de lugares sociais, isto é, a parcialidade do historiador em sua pesquisa e o acesso que ele teve a determinados documentos.

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