Pesquisar

Que História nós (não) contamos? Usos e desusos do RPG no ensino de História (1991-2020) - Introdução


Antes da Introdução

Antes de começar, quero dizer que o ponto principal deste meu trabalho não é o de ser contra o uso do RPG em sala de aula, seja no ensino de História ou de qualquer outra disciplina, o problema levantado por mim reside na seguinte questão: Escolhido o RPG como metodologia de ensino para História, o que vai, então, ser ensinado? E o que não vai? Que vertente historiográfica será usada como base? O RPG será usado para ensinar conteúdo, fixá-lo ou avaliar o entendimento dos alunos?

Eu utilizei por anos o RPG em sala de aula, sei bem os prós e os contras da utilização do jogo como metodologia, e parte deste trabalho foi pensada para superar os problemas que eu encontrava em sala ao utilizar o jogo, ele não é um desafio para quem acha que o RPG é a ferramenta suprema a ser utilizada na sala de aula. Eu apenas tentei fugir do senso comum e dos discursos sem fundamentação teórica que permeiam a imensa maioria dos trabalhos que narram aplicações do RPG em sala, e baseado nos artigos que li, tentei buscar soluções práticas para o uso do RPG, enquanto analisava o viés historiográfico dos trabalhos.

Dito isto, vamos ao texto:

Introdução

―A primeira função do discurso histórico sempre foi a de divertir, quem fez esta afirmação foi o historiador francês Georges Duby, mas, para muitos professores, pensar que a História possa ser divertida e, a partir dessa diversão, ser ensinada e aprendida, soa estranho aos ouvidos daqueles que acreditam que a sala de aula e, muito menos,  a História não possam ser objetos de jogos e brincadeiras que conduzam ao aprendizado. Entretanto, existe entre pesquisadores e professores o entendimento de que o real aprendizado ocorre quando há interesse e prazer no aprender. Portanto, atividades lúdicas são um meio riquíssimo de abordar diversos conceitos e temas históricos em sala de aula.

Na última década, surgiram em universidades de quase todo o Brasil, várias pesquisas, artigos, monografias e dissertações, que apontam uma atividade lúdica que, segundo seus escritores, seria capaz de auxiliar o professor em sala de aula para potencializar o ensino de História. Partindo da discussão acerca dos problemas na relação professor - aluno e ensino – aprendizagem e dos problemas que existem em sala de aula, como podemos ler na obra da Professora Flávia Eloisa Caimi:

Os professores, de um lado, reclamam de alunos passivos para o conhecimento, sem curiosidade, sem interesse, desatentos, que desafiam sua autoridade, sendo zombeteiros e irreverentes. Denunciam, também, o excesso e a complexidade dos conteúdos a ministrar nas aulas de História, os quais são abstratos e distantes do universo de significação das crianças e dos adolescentes. Os alunos, de outro lado, reivindicam um ensino mais significativo, articulado com sua experiência cotidiana, um professor legal, amigo, menos autoritário, que lhes exija menos esforço de memorização e que faça da aula um momento agradável. (2008, p.18-19).

Ainda segundo esses pesquisadores, os alunos não são estimulados no contexto da sala de aula, o que dificulta em muito seu aprendizado. Seria necessário incitá-los, fazendo com que eles também produzam conhecimento em um ambiente de troca entre Professor e alunos e passível de alegria, entendendo que a escola tem o objetivo de facilitar o acesso dos alunos ao saber histórico escolar, esse autores dizem que cabe ao professor de História o papel de desenvolver novos métodos e mais adequados para a realização deste acesso. (MARCATTO, 1996; RICON, 1999; RIYIS, 2004; RODRIGUES, 2004 KLIMICK, 2008; SCHMIT, 2008).

Para todos os autores acima a linguagem alternativa que apresenta as maiores possibilidades para excitar os alunos à construção de novos conhecimentos além de cooperar para a democratização dos conhecimentos históricos em sala de aula, fazendo do aluno um sujeito ativo, além de criar um clima mais espontâneo no aprendizado de História é o RPG.

 RPG é a sigla para o Role Playing Game, traduzido para o português mais comumente como Jogo de Interpretação de Papéis, criado nos Estados Unidos por Dave Arneson e Gary Gygax na década de 1970, muito influenciado por jogos de guerra alemães, simulações de batalhas que com o passar do tempo evoluíram para os jogos de tabuleiro, e a literatura fantástica de J.R.R. Tolkien, autor da Trilogia O Senhor dos Anéis. Essa relação deu origem ao primeiro jogo de RPG lançado nos Estados Unidos em 1974 e denominado de Dungeons & Dragons (Masmorras & Dragões, em uma tradução livre), seus jogadores utilizam a sigla D&D para se referir ao jogo que existe até hoje e encontra-se em sua 5º edição.

O professor Thomas Fairchild define o RPG da seguinte maneira:

O que se entende aqui por RPG é, primeiramente, um conjunto de textos que abarca explicações de regras do jogo, descrições de cenários, personagens e enredos de aventura, sejam aqueles publicados por uma editora ou os que são escritos no anonimato por jogadores e mestres. É conveniente ajuntar a esse conjunto um grande número de imagens — majoritariamente ilustrações e mapas — que igualmente podem ser aquelas presentes numa publicação ou as de autoria dos RPGistas. O RPG inclui também um conjunto de objetos nos quais esses textos e imagens se dão a ler — livros, revistas, encartes, fichas, planilhas, escudos de mestre, folhas anotadas —, aos quais podemos acrescentar alguns outros apetrechos como dados, miniaturas, tabuleiros etc. O RPG abarca ainda um certo número de práticas que envolvem tempos, espaços, objetos, textos e relações específicas entre seus praticantes e esses elementos. Finalmente, ao RPG corresponde um domínio discursivo que se constitui no entrecruzamento desses diferentes componentes, ganhando forma nas instâncias de interação social que significam textos e objetos e implicam práticas, modos de jogar. (2004. P.19)

Uma partida, ou sessão, de RPG assemelha-se, em um primeiro olhar, a uma peça de teatro improvisado. Encontramos no jogo um narrador e jogadores que criam, seguindo as regras estabelecidas nos livros, os personagens que irão interpretar, o narrador é o jogador responsável por criar a história que irá narrar para os jogadores que atuaram dentro da narrativa realizando ações plausíveis com a personalidade de cada personagem. Isso tudo acontece dentro de um cenário preestabelecido e fictício que pode ser desde uma possível demonstração da Grécia antiga ou mesmo uma narrativa que se passe em outra galáxia.

É necessário afirmar que as ações dos personagens também são fictícias, assim sendo se um deles tiver que saltar, por exemplo, o jogador apenas verbalizará a sua ação, descrevendo como seu personagem age. De acordo com o jogo escolhido, o jogador que age como o narrador pode receber outras denominações podendo ser chamado pelo termo em inglês Game Master (Mestre do Jogo) ou GM, Narrador, nos títulos da linha de Vampiro, Lobisomem e Mago; Dungeon Master ou DM em D&D.

Incluímos abaixo um pequeno exemplo de como acontece uma partida, ou sessão de RPG, retirado do livro Mini GURPS O Descobrimento do Brasil, onde os jogadores assumem os papéis de navegantes da esquadra de Pedro Álvares Cabral em sua viagem rumo às Índias:

GM Vocês descem do barco e pisam na areia da praia. Tudo parece calmo e a praia está deserta. De repente, vocês ouvem um barulho vindo da mata. Jogador 1 Eu consigo ver alguma coisa?

GM Não. A mata é muito fechada.

Jogador 2 Eu me aproximo e presto atenção, tentando descobrir de onde veio o som. (O GM rola os dados para saber se ele conseguiu ou não. Dessa vez o jogador teve sorte!)

GM Bem, você anda até a margem da floresta e ouve o mesmo ruído de novo. Parece vir de uma moita à sua direita.

Jogador 2 (falando como seu personagem) – “Ei, parece que tem alguma coisa aqui!

Jogador 3 Eu vou até onde ele está, mas o meu personagem não está gostando nada disso...

Dizem esses autores que o RPG pode ser usado em sala de aula como uma ferramenta de ensino, pois desenvolve e melhora a leitura e a escrita dos alunos, a oralidade, a cooperação, já que, segundo alguns manuais de jogo não existem vencedores ou perdedores no RPG. Assim, o RPG estaria relacionado à atividade criadora, possibilitando ao aluno vivenciar de uma forma virtual situações cotidianas que poderiam ajudar seu processo de aprendizagem por fazer com que as adaptações às mudanças no meio sejam mais rápidas. Em outras palavras, o que se aprende através da experiência é entendido de modo mais significativo. Isso deu inicio ao que Fairchild chamou, em sua dissertação de mestrado, de escolarização do RPG.

Por ser um jogo de contar histórias, a disciplina mais afetada por essa escolarização foi, sem dúvida, a História, inúmeros trabalhos surgiram para demonstrar como utilizar o RPG para ensinar história. Livros de RPG comerciais foram lançados com temáticas históricas para auxiliar o professor a melhorar a sua aula e fazer com que os alunos aprendam jogando e se divertindo dentro de sala.

Contudo, na leitura feita destes trabalhos para este projeto, vários problemas surgiram no que tange a aplicação do jogo em sala de aula e em especifico para o ensino de história, a escolarização do RPG parece não ter um modus operandi, não existe um método a ser seguido, assim como os RPG´s comerciais que possuem variados tipos de livros e sistemas para se jogar, no assim chamado RPG Pedagógico, são inúmeros os meios para serem utilizados em sala para se ensinar história e que acabam por levantar duas grandes questões:

Até que ponto o RPG pode ser utilizado para se ensinar História? E que História (não) está sendo ensinada com o RPG?

 


Postar um comentário

0 Comentários