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As Cruzadas - Vista pelos Árabes - A tomada de Jerusalém.



Foi, de fato, na sexta-feira 22 do tempo de Chaaban, do ano de 492 da Hégira, que os francos tomaram a Cidade Santa de Jerusalém, após sitiá-la por quarenta dias. Os que conseguiram por milagre escapar tremem ao lembrar e seu olhar fica embaçado como se vissem diante deles aqueles guerreiros louros com suas armaduras de ferro ceifando vidas com suas espadas, degolando homens, mulheres e crianças, pilhando as casas e saqueando as mesquitas.

Dois dias após a violenta chacina não havia um só muçulmano vivo dentro dos muros da cidade. Alguns aproveitando a confusão da incursão assassina fugiram pelas portas que os invasores haviam destruído. Milhares jaziam em poças de sangue pelas ruas, nas soleiras das suas residências ou nas proximidades das mesquitas.

 Muitos homens santos, imãs, ulemás, e ascetas sufis que haviam peregrinado para a Terra Santa em busca de um retiro piedoso onde pudessem aprimorar suas crenças foram assassinados. Os poucos sobreviventes cumpriram a terrível missão de amontoar os corpos nos terrenos baldios para em seguida atear fogueiras. Temiam ainda o destino de sofrerem o massacre impiedoso ou serem vendidos como escravos.

O destino dos judeus de Jerusalém foi igualmente terrível. Durante as primeiras horas da batalha ofereceram resistência aos atacantes no bairro onde viviam a Judiaria, que ficava situada ao norte da cidade. Mas quando parte da muralha desmoronou foram tomados pelo pânico ao ver os louros cavaleiros que ocupavam rapidamente as ruas da cidade. A comunidade inteira procurou abrigo na sinagoga principal para com suas preces apaziguar os ânimos dos atacantes.

Os francos bloquearam todos os acessos ao prédio e depois empilharam feixes de lenha que deitaram fogo. Os que conseguiram escapar ao incêndio eram trucidados nos becos vizinhos, os que permaneceram morreram queimados vivos.

No início da invasão, poucos árabes perceberam imediatamente a ameaça vinda do Oeste. Alguns se adaptaram rapidamente à nova situação pensando nos lucros advindos do comércio com os estrangeiros. Os mais pobres só procuraram sobreviver, amargurados e resignados pelos novos tempos de submissão aos bárbaros estrangeiros. Alguns letrados, mais lúcidos,  buscaram analisar os novos acontecimentos e registrá-los para a posteridade. O saque de Jerusalém pelos Cruzados, em um primeiro momento não causou nenhuma reação do califado de Bagdá. Levará pelo menos meio século antes que os árabes se mobilizem contra o invasor estrangeiro.

Um viajante, cronista da época, Ibn Jobair, um árabe vindo da Espanha que visitara a Palestina um século após sua ocupação pelos francos relata escandalizado sobre alguns muçulmanos que: “subjugados pelo amor da terra natal”, aceitam viver em território ocupado. “Não há”, comentava, “para muçulmano, desculpa alguma perante Deus para sua estada numa cidade ímpia, a menos que esteja simplesmente de passagem”. Em terra do Islã, encontrou abrigo para os males a que estava submetido.

Contrariamente, em paisagens estrangeiras era obrigado a ouvir ofensas dirigidas ao Profeta, sujeitar-se aos impedimentos de purificação, viver entre os porcos e a tantas outras licenciosidades. Abstenham-se, abstenham-se de penetrar nessas regiões! É preciso pedir perdão e misericórdia a Deus para evitar tal erro. Um dos horrores que saltam aos olhos de quem mora no território dos cristãos é o espetáculo dos prisioneiros muçulmanos tropeçando nos grilhões, usados para trabalhos forçados quando são tratados como escravos. O mesmo ocorre com o espetáculo das cativas muçulmanas que trazem aos pés anéis de ferro. Os corações despedaçam-se a essa visão, mas piedade não lhes serve para nada”.

Ibn Al-Qalanissi, testemunha ocular das invasões dos francos relatou em sua crônica os primeiros contatos com o exército agressor. Ele tinha 23 anos em 1096 e levando em conta o ponto de vista de sua cidade, Damasco, narrou em seus registros fielmente a progressão dos acontecimentos terríveis.

“Naquele ano, começaram a chegar informações sucessivas sobre a aparição de tropas de franj (francos) vindas do mar de Mármara em grande multidão. As pessoas se amedrontaram. Essas notícias foram confirmadas pelo rei Kilij Arslan, cujo território era o mais próximo desses franj.”








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