Olá a todos.
Seguindo com as postagens no blog sobre o uso do RPG no ensino de História, quero reiterar que não sou contra o seu uso, e, por muito tempo, fui um entusiasta e ferrenho defensor da utilização do RPG como ferramenta de ensino, e quando estava na universidade não foram poucos os artigos escritos e trabalhos apresentados tendo o, nosso tão querido, jogo como tema. Relacioná-lo com o ensino de História parecia, de certa forma, bem fácil, mas diversos problemas foram surgindo conforme eu o utilizava em sala de aula, os mesmos problemas que surgiram quando eu utilizava o RPG nas oficinas no CRAS da Pedreira, mas como universitário, eu já conseguia identificar, tecnicismo, positivismo, falseamento do passado, dentre outros.
Nesta parte, onde eu deveria justificar a importância do projeto, eu trago, baseado em fontes e leituras, uma maior abordagem sobre estes problemas, levanto novas questões que devem ser analisadas e aponto, de forma inicial, possíveis caminhas para a superação de tais problemas.
Aqui também analiso, pela primeira vez, alguns livros de RPG e também que apontam o uso do RPG em sala de aula e pode parecer que estou sendo muito duro em minhas colocações acerca dos mesmos, mas são apenas críticas históricas e historiográficas que considero pertinentes, e não devem soar como um dedo apontado na cara dos autores dizendo que eles não sabem escrever, (apesar de algumas vezes ter sentido vontade de fazer isso, mas isso é assunto para outra postagem)
Dito isto, vamos ao texto
Justificativa
Nós últimos 25 anos foram muitos os pesquisadores, de vários campos científicos, que se ocuparam em analisar, pesquisar e publicar monografias, dissertações e teses sobre o RPG. Quer fossem nos campos da Psicologia, Letras, Pedagogia e até mesmo na Matemática, Química e Biologia, todos estavam prontos para demonstrar os benefícios do jogo de RPG no ensino das disciplinas escolares e no desenvolvimento mental e social dos alunos em um movimento chamado por Fairchild de escolarização do RPG (2004).
Baseados principalmente nos escritos de Huizinga, Piaget, Vigotsky, Walter Benjamin, Bakhtin e Campbell, todos atribuem grande valor ao jogo e exaltam a eficácia dos resultados de suas aplicações, tanto em consultórios, quanto em salas de aula, e apresentando o RPG como a ferramenta definitiva para a solução dos problemas do ensino no Brasil que são, segundo os autores, o sucateamento das escolas e a má formação do professor. Desta forma, Fairchild diz que:
Ao nos colocarmos diante de uma série de enunciados que descrevem as potencialidades pedagógicas do RPG, problematizam suas aplicabilidades na sala de aula e arrolam maneiras de ensinar através do jogo, é necessário lançar sobre eles um olhar demorado, sob o estandarte da novidade pedagógica, pode haver uma série de concepções e interesses que precisam ser explicitados para que haja um debate efetivo envolvendo tanto a problemática do jogo quanto o campo da Educação. (2004, p. 80).
O campo da História, que é o que realmente nos interessa neste projeto, também tem uma grande parcela de trabalhos que intentam demonstrar como utilizar o RPG no ensino de História fazendo uso de seus atributos benéficos que são:
O fato do jogo não ser competitivo; incentivar a leitura, a escrita e a pesquisa; a redescoberta da arte de contar histórias e ser agradável ao aluno (aprender brincando). (MARCATO, 1996)
Citamos acima uma passagem do livro lançado em 1996 pelo psicólogo Alfeu Marcatto denominado Saindo do Quadro: Uma metodologia educacional lúdica e participativa baseada no Role Playing Game, como o próprio subtítulo afirma, esta obra é a primeira a (tentar) trazer uma metodologia de uso do RPG em sala de aula, e será utilizada como base e referenciada em quase todos os trabalhos acadêmicos que tratam sobre o uso do RPG como ferramenta para o ensino de História.
O autor divide a obra em duas grandes partes, na primeira, ele descreve o que é o RPG, os sistemas de regras existentes, como se joga, quem é o Mestre, o RPG como instrumento pedagógico, como criar uma aventura e a criação dos personagens. Na segunda parte estão as Aventuras Prontas modelos de histórias narrativas para ser usada pelos professores em sala de aula, cada uma delas referente a uma disciplina escolar ou temática transversal (Cidadania e Participação, Educação Ambiental e Sexual).
Infelizmente a metodologia de Marcatto incorre em uma série de problemas, sendo dois deles bastantes graves do ponto de vista acadêmico: Primeiro em todo o livro não existe uma referência que aponte em quais trabalhos e pesquisadores o autor se apoia para fazer suas considerações, não há notas de rodapé ou indicações de leituras complementares, salvo os livros de RPG comerciais que ele descreve e outro livro escrito por ele. Um exemplo claro disto está na citação utilizada aqui, não existe fundamentação acadêmica nenhuma que suporte tal afirmação do autor. Segundo, ao utilizar a mesma metodologia para criar aventuras que serão utilizadas por professores de variadas disciplinas, o autor não levou em conta as especificidades de cada uma delas dentro do ambiente escolar, como por exemplo, o tempo dedicado a cada disciplina, a História, sabemos, não tem o mesmo número de aulas semanais que Matemática.
Assim coube a alguns pesquisadores que utilizaram o trabalho de Marcatto, a difícil aventura de fundamentar as afirmações do autor, assim foram buscar em Johann Huizinga as teorias que colocavam o jogo como cultura, de Piaget e Vigostky vieram as teorias que relacionam o jogo e o ensino infanto-juvenil, em Walter Benjamim buscou-se a importância do narrador e da narrativa, para analisar as formas de leitura e escrita feitas pelos RPGistas utilizou-se as teorias de Bakhtin e para a construção e análise das aventuras a Jornada do Escritor de Christopher Vogler, baseada na Jornada do Herói Mitológico de Joseph Campbell. Contudo sem fazer as considerações necessárias já que a maioria destes teóricos escreveu as obras referenciadas em anos anteriores à criação do RPG.
Apesar de utilizar as teorias elencadas acima, muito pouco se fez para superar as afirmações de Marcatto, que acabaram por se transformar em senso comum ao serem repetidas e parafraseadas em inúmeros trabalhos que relacionam o jogo com o ensino de História e menos ainda se fez na busca por uma didática para demonstrar que o jogo poderia ser utilizado para fins educacionais e principalmente que justificasse seu uso no ensino de História.
Os trabalhos sobre a utilização do jogo para ensinar História (alguns deles serviram como base para este projeto e estarão relacionados como fontes), parecem seguir uma lógica muito própria de escrita; Começam por descrever os problemas do ensino no Brasil, apontando as dificuldades de aprendizado dos alunos e o desânimo dos professores para ensinar estes alunos, após estes apontamentos, eles passam a descrever o RPG falando de sua criação e suas formas de jogo e demonstram como o jogo pode ser utilizado para ensinar História, passar conteúdos e fazer avaliações colocando-o como uma nova “ferramenta educacional” a serviço do professor.
Segue-se a isso a descrição do “potencial” do RPG no uso em sala de aula, muitas vezes repetindo as colocações de Marcatto, a cooperação, o incentivo a leitura e a escrita, a socialização e o não ser competitivo, e também repetindo a ausência de fundamentação acadêmica para embasar tais afirmações e, por fim, passa-se ao relato e a análise da aplicação do jogo em sala de aula, utilizando um sistema de regras de um RPG comercial, e as modificações feitas no jogo para ser usado na escola.
E aqui surgem alguns problemas, pois algumas práticas do uso RPG em espaço escolar não possuem um referencial teórico explícito, o que permite o aparecimento do tecnicismo em seu discurso e acabam por reproduzir o sistema de ensino que eles mesmos criticam. Uma vez que este tipo de atividade vem sendo introduzida nas nossas salas de aula como uma estratégia metodológica, tanto no ensino fundamental como médio, estamos interessados em fazer uma reflexão sobre as influências que esta prática pode vir a ter no contexto do ensino de História.
Em sua dissertação, Fairchild (2004) aponta que, a partir do final da década de 90 no Brasil, ocorreu um significativo crescimento do discurso sobre o uso dos RPG´s dentro do espaço escolar. Esse discurso vem sendo feita por praticantes do jogo, pesquisadores e profissionais de várias áreas, ocupando espaços em várias mídias e em eventos, como o Simpósio de RPG e Educação. Fairchild faz críticas a esse discurso apontando que esta prática, apesar da intenção inovadora, não traz mudanças significativas nas concepções acerca da educação e da escola e muito menos uma didática que aponte os caminhos para o seu uso. As críticas do autor nos levam a refletir sobre a relação do RPG com a pedagogia tecnicista, sendo esta, uma das bases do atual discurso de escolarização dos jogos de representação. Saviani caracteriza a pedagogia tecnicista da seguinte forma:
A partir do pressuposto da neutralidade científica e inspirada nos princípios de racionalidade, eficiência e produtividade, essa pedagogia advoga a reordenação do processo educativo de maneira a torná-lo objetivo e operacional. (...) Buscou-se planejar a educação de modo a dotá-la de uma organização racional capaz de minimizar as interferências subjetivas que pudessem pôr em risco sua eficiência. (...) o elemento principal passa a ser a organização racional dos meios, ocupando o professor e o aluno posição secundária, relegados que são à condição de executores de um processo cuja concepção, planejamento, coordenação e controle ficam a cargo de especialistas supostamente habilitados, neutros, objetivos, imparciais. (...) Marginalizado será o incompetente (no sentido técnico da palavra), isto é, o ineficiente e improdutivo. (...) A educação será concebida, pois, como um subsistema, cujo funcionamento eficaz é essencial ao equilíbrio do sistema social de que faz parte. (SAVIANI, 2003, pg 11- 15)
Apesar das críticas feitas a esta abordagem no contexto educacional, a ideia do capital humano ainda está presente, agora com a roupagem do neoliberalismo. Nesse contexto, o sistema educacional é marcado pelas demandas do mercado. Noções como habilidades e competências são retomadas e inscritas num discurso em que a educação se articula à flexibilidade do mercado, e às novas formas de produção. Às escolas restam adequar-se e implantar práticas pedagógicas, novos métodos de ensino, que assegurem que tais demandas sejam contempladas.
Dentre os elementos apontados por Fairchild em sua crítica a escolarização do RPG, e que faz uma aproximação com a concepção tecnicista de educação, está a ideia do professor obsoleto. A ideia de que o professor pode ser substituído por uma técnica de ensino mais produtiva e eficiente (SAVIANI, 1985). Esta concepção de professor é bem demarcada na obra de Fairchild e pode ser vista no seguinte trecho:
Subentende-se logo que o professor não domina os mesmos conteúdos que o autor do livro, nem os meios de chegar a esse domínio por si só. Vê-se ainda que a aposta não é em fornecer ao professor uma via de acesso a esse domínio. Há uma clara divisão de papéis: a uns cabe a autoria, a outros o consumo e a obediência. (...) Corre-se o risco de passar a encarar a profissão de professor como uma função exclusivamente técnica, por assim dizer, atribuindo-lhe a aplicação prática de conhecimentos produzidos alhures — o RPG torna-se, com efeito, ―ferramenta‖, no sentido concreto da palavra, enquanto o magistério se aproxima da condição do operário. (2004, pg.127 e 130)
Destacamos mais uma vez aqui a falta de definição quanto às noções que dão base a prática do RPG na escola. Isto fica bastante evidente nos Anais do 1º Simpósio de RPG e Educação (ZANINI, 2004), nos quais não é apontado o referencial teórico que serviu de base para a fundamentação pedagógica das oficinas paradidáticas, o que não permite esclarecer a visão de escola, estudante, professor, ensino, aprendizagem, desenvolvimento e outros conceitos presentes ao se discutir a inserção de uma nova prática no meio escolar e seus objetivos. O mesmo ocorre na coleção Mini GURPS (RICON, 1999 e LOURENÇO, 2004) e no livro SIMPLES (RIYIS, 2004), que apresentam referências apenas sobre o conteúdo que aborda, e não de sua proposta de uso na escola.
Assim alguns trabalhos que utilizam o RPG como ferramenta a ser usada em sala, tem como objetivos o cognitivismo e resultados imediatos, ou seja, os conteúdos trabalhados remontam àqueles da educação tradicional e da pedagogia tecnicista. O foco final está em o aluno fornecer as respostas corretas em sua avaliação, o que deriva de uma concepção positivista que ainda é muito forte no meio escolar brasileiro, apesar das críticas que recebe. Neste sentido, o RPG é muitas vezes apresentado como mais uma nova tecnologia de ensino, mais uma técnica para se atingir os mesmo objetivos, uma nova roupagem para o tão, pelos pesquisadores, criticado sistema de ensino. Para além desta falta de definição, esta concepção positivista atinge em cheio a disciplina História quando se faz uso do RPG em suas aulas. Segundo a professora Selva Guimarães Fonseca:
A história tradicional positivista utiliza como fontes de estudo os documentos oficiais e não-oficiais escritos (leis, livros); também valoriza os sítios arqueológicos, as edificações e os objetos de coleção e de museus como moedas e selos. Os sujeitos da História tradicional são as grandes personalidades políticas, religiosos e militares. São os reis, lideres religiosos, generais, grandes empresários. São os atores individuais, heróis que geralmente aparecem como construtores da história. Assim, a história tradicional estuda os grandes acontecimentos diplomáticos, políticos e religiosos do passado. Privilegia o estudo dos fatos passados que são apresentados numa sequência de tempo linear e progressista. (2003, p.41).
O uso do RPG em sala como ferramenta de ensino de História, apesar de seus supostos benefícios, em nada modifica o caráter positivista que a História, enquanto disciplina escolar possui. Muito pelo contrário, os livros de RPG escritos com a intenção de serem usados em sala de aula parecem perpetuar a história factual e centrada nos grandes acontecimentos e heróis do passado.
Um exemplo claro disto está na série chamada mini GURPS, que em seu primeiro volume traz como cenário e em seu titulo, O Descobrimento do Brasil. Na apresentação do livro, feita pela Devir Livraria que é a editora do livro, está escrito que um dos motivos para a escolha do cenário se deu pela proximidade do aniversário de 500 anos do Descobrimento, uma data que, segundo a apresentação, deveria ser aproveitada para fazermos uma releitura da nossa História.
Parece a nós que a editora e o autor do livro, Luiz Eduardo Ricon, não aproveitaram esta oportunidade, pois já em sua introdução encontramos a seguinte afirmação:
Bem – vindo a mini GURPS O Descobrimento do Brasil, um RPG que vai levar você a reviver o momento mais fascinante da História do Brasil: O seu começo!
A partir desta frase temos uma ideia de como o tema será tratado sob a ótica de um não-historiador que propõe o jogo para o ensino da disciplina. No decorrer do livro, o autor vai mostrar esse mundo através de cenas, de personagens, da representação do cotidiano em que os navegadores vivenciavam remontando todo o mundo das descobertas de forma linear e focada nos grandes heróis do passado, com informação sobre a viagem de Colombo, o Tratado de Tordesilhas, a rota para as Índias até chegar à viagem de Cabral, momento em que se inicia a aventura propriamente dita. Todo o debate tem como referências autores de perspectivas tradicionais e conservadoras da história, sendo grande parte deles nem mesmo historiadores de oficio, além é claro do “documento fundador do Brasil”, a carta de Pero Vaz de Caminha.
Não obstante, as passagens que falam sobre os nativos também seguem a lógica de pensamento tradicional e positivista ao mostrar a velha idealização do índio/selvagem e branco/civilizado. Entretanto, não é apenas em O Descobrimento do Brasil, toda a série mini GURPS que fala da História do Brasil, composta também por O Quilombo dos Palmares e Entradas e Bandeiras têm suas bases dentro de uma cultura historiográfica que está inserida em um discurso tradicional do que seria a História do Brasil, um discurso que não leva em consideração o debate das identidades culturais daquele período histórico, mas que elege como ponto central da narrativa a ideia do herói salvador e reforça o estereótipo de branco europeu civilizado e católico. A série possui mais dois livros, As Cruzadas, no âmbito da História geral, também escrito por Ricon, e O Resgate de Retirantes, sobre a vida e obra de Cândido Portinari, escrito por Carlos Eduardo Lourenço, que também não é historiador. Assim como os outros, ambos possuem problemas quanto ao conteúdo tradicional e sua aplicação em sala de aula.
Por fim, cabe aqui dizer que O Descobrimento do Brasil, foi um dos mais famosos materiais de RPG para iniciantes com finalidade pedagógica, produzido no Brasil. O jogo em questão foi inclusive indicado por livros didáticos de História e durante o ano de sua publicação foi utilizado em algumas escolas de São Paulo como atividade complementar, fazendo parte das atividades agregadas às comemorações do aniversário do Descobrimento. Assim, cabe a nós levantar algumas questões que não são respondidas em nenhum trabalho que trata da utilização do RPG no ensino de História; Que história é essa que está sendo narrada com o RPG para os alunos? E que História não está sendo ensinada?
Colocadas as questões acima, podemos afirmar que a utilização do RPG em sala de aula para o ensino de História, sem uma análise concisa do material que está sendo utilizado e sem levar em consideração os sujeitos e os conceitos presentes na escola, não consegue inovar e/ou modificar o próprio ensino em si. Muito pelo contrário, seu uso acaba por perpetuar preconceitos, o senso comum e o caráter tecnicista e positivista da História enquanto disciplina escolar e seus relatos de sucesso nas aplicações parecem indicar que, para os alunos, o momento que o jogo é utilizado é visto como um alento, uma pequena pausa para um pouco de diversão em meio ao mar de aulas “chatas e sem sentido” a que são submetidos todos os dias.
Fairchild aponta que tais problemas podem ter sido ocasionados por uma mudança de estatuto do RPG, deixou-se de ver o RPG como um jogo e passou-se a vê-lo como ferramenta pedagógica, e deixou-se de ver, ás vezes propositalmente, que os aspectos benéficos apontados pelos pesquisadores, são os do RPG enquanto jogo. Não se sabem os reais benefícios do RPG para a educação pelo simples fato de que ele não foi criado para ensinar, e sim para divertir, reunir amigos, criar histórias, contar história e superar desafios.
Na ânsia de se produzir um discurso da utilização do jogo, de transformá-lo em ferramenta, e também em cultura, não houve nenhum interesse em ver o RPG, segundo Fairchild, como uma possibilidade de educação extra-escolar. Ele diz que:
É justamente neste ponto, a nosso ver, que reside uma de suas características mais positivas: o fato de o RPG instituir fora da escola um momento de contato com o livro, de descoberta da leitura e de trocas de experiências pautadas na apropriação e produção de textos. Quando se pensa em escolarizar o jogo, é imprescindível ter em mente que essa dimensão inevitavelmente se altera — ao fazer do RPG um exercício escolar, não é apenas sua forma que precisa ser modificada para atender aos requisitos escolares (o número de alunos, o tempo da aula, a autoridade do professor etc.), mas também o seu significado. (2004, p.154).
Uma atividade extra-escolar, ou mesmo intra-escolar já que se pode usar o espaço da biblioteca, que coloque os alunos em contato com livros e textos que eles não teriam em sala de aula ou mesmo que tenham este contato, não seriam cobrados e avaliados acerca destas leituras. Este é o grande beneficio do RPG, enquanto jogo, para a História e também para a História da Amazônia, o contato com produções e saberes acadêmicos que, por falta de acesso, ficam restritos a própria universidade.
Não seria uma atividade inédita, pois alguns passos já foram dados nesta direção. Um exemplo disso é o RPG Jaguareté: O Encontro, produzido pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do Paraná (MAE-UFPR). Trata-se de um RPG ambientado no período dos primeiros contatos entre os europeus e os povos nativos ocupantes do Brasil, mas ao contrário do que ocorre no mini GURPS O Descobrimento do Brasil, os personagens não são os europeus civilizadores e sim as etnias indígenas que no Brasil viviam.
Apesar do ter sido escrito para ser usado em sala de aula e ser apresentado como "ferramenta didática" no site da própria universidade, o que pode incorrer nos problemas apontados acima, penso que este é um caminho que pode ser tomado para a criação de jogos de RPG com temáticas amazônicas e que façam o aluno ter um primeiro contato com saberes acadêmicos que de nenhuma outra forma teria. Afinal ainda persiste nas escolas a ideia de que o assunto que “não cai” no ENEM não precisa ser estudado.
Utilizar temas e textos de historiadores sobre a Amazônia, indicar fontes e uma bibliografia que permita aos alunos fazer as suas "pilhagens narrativas" para a criação de suas aventuras, sem precisar simplificar o jogo ou indicar caminhos preestabelecidos para que eles seguirem, fazer com que tenham o primeiro contato com uma história que é também deles, de sua região, estado ou cidade, e muitas vezes desconhecida, fazendo-os entender que a História é feita por todos e não apenas pelos “Grandes Heróis”, buscando assim superar seu caráter autoexcludente e positivista.
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