Um dos episódios mais
tristes e errados do tempo da Primeira Cruzada foi protagonizado pela “Cruzada
Popular”, ou “dos camponeses”, convocada por um pregador de grande capacidade
de atração popular: Pedro o Eremita.
Pedro agiu em
desobediência às prudentes exortações do Beato Urbano II. O Papa, e com ele
seus sucessores, exortavam à Cruzada com explícita exclusão daqueles que não
tinham condições de combater ou habilidades para isso, como anciãos e mulheres.
Pedro com seus
inflamados discursos congregou uma multidão de populares, incluindo crianças,
incapacitados para uma campanha militar do fôlego da Cruzada, contra inimigos
da força bélica e da ferocidade como os turcos seljúcidas.
A multidão de Pedro,
sem preparo, sem planificação, sem chefes militares experientes, acabou sendo
horrivelmente massacrada pelas hordas maometanas.
Assim narra aquele
trágico fim, o Gesta Francorum:
Mas Pedro, acima
mencionado, foi o primeiro a atingir Constantinopla, nas calendas de agosto, e
com ele uma grande hoste de Alamanos.
Lá encontrou Lombardos,
Longobardos e muitos outros reunidos. O imperador lhes disse: “Não cruzeis o
Estreito até que o chefe da hoste dos Cristãos chegue, pois não sois
suficientemente fortes para travardes batalha contra os Turcos”.
Os Cristãos se
comportaram mal; derrubaram e queimaram edifícios da cidade, levaram o chumbo
com o qual as igrejas foram construídas e venderam-no aos gregos. O Imperador, enraivecido, ordenou-lhes
atravessar o Estreito. Depois da travessia, continuaram a fazer todo tipo de
mal, queimando e saqueando casas e igrejas.
Finalmente chegaram a
Nicomédia, onde os Lombardos, Longobardos e Alamanos separaram-se dos Francos
porque estes estavam constantemente inflados de arrogância. Os Lombardos e Longobardos escolheram um
líder cujo nome era Reinaldo. Os Alamanos fizeram o mesmo.
Entraram na Romênia (na
Ásia Menor) e continuaram por quatro dias, para além da cidade de Nicéia. Eles encontraram uma fortaleza chamada
Xerogord, que estava vazia, e tomaram-na. Nela encontraram uma ampla reserva de
cereais, vinho e carne, e uma abundância de todos os produtos.
Os Turcos, por
conseguinte, crendo que os cristãos estavam na fortaleza, passaram a
assediá-la. Havia uma cisterna diante do portão da fortaleza, e em sopé uma
fonte de água corrente, perto da qual Reinaldo saiu para interceptar os
Turcos. Mas estes, que chegaram no dia
da Dedicação de São Miguel, encontraram Reinaldo e aqueles que estavam com ele
e mataram muitos deles.
Aqueles que
permaneceram vivos fugiram para a fortaleza, que os Turcos logo sitiaram,
privando-os de água. Tal foi a aflição
de nosso povo causada pela sede, que sangrou seus cavalos e jumentos e bebeu o
sangue; outros jogavam seus cintos e lenços para dentro da cisterna e espremiam
a água em suas bocas; alguns urinavam nas mãos uns dos outros e bebiam; outros
cavavam o chão úmido e deitavam de costas e espalhavam terra sobre os seus
peitos para aliviar a secura excessiva da sede.
Os bispos e sacerdotes,
de fato, continuavam a confortar nosso povo, e a admoestá-los para que não
sucumbissem: “Em toda a parte sede fortes na fé de Cristo, e não temais os que
vos perseguem, assim como o Senhor disse: “Não temais os que matam o corpo, mas
não são capazes de matar a alma”“.
Esta angústia durou
oito dias. Então, o senhor dos Alamanos fez um acordo com os turcos de
entregar-lhes seus companheiros e, fingindo ir à luta, fugiu até eles, e muitos
com ele. Contudo, os que não estavam dispostos a negar o Senhor receberam
sentença de morte; alguns, a quem levaram vivos, dividiram entre si como
ovelhas; colocaram outros como alvos e os mataram com flechas; a outros
venderam e doaram como animais.
Levaram alguns levaram
cativos para suas próprias casas, outros para Chorosan, outros para Antioquia,
outros para Aleppo ou onde quer que morem. Estes foram os primeiros a receber
um martírio feliz em nome do Senhor Jesus.
Em seguida, os turcos,
ouvindo dizer que Pedro o Eremita e Walter Sans Avoir estavam em Civitote,
localizada acima da cidade de Nicéia, lá foram com grande alegria para matá-los
e os que estavam com eles. E ao chegarem
encontraram Walter com seus homens e logo os mataram a todos. Mas Pedro o Eremita tinha ido a
Constantinopla, um pouco antes, porque não conseguia conter as diversas hostes
que não lhe davam ouvidos.
De fato, os turcos
precipitaram-se sobre estas pessoas e mataram muitas delas. Algumas encontraram
dormindo, algumas deitadas, outras nuas – mataram a todas. Com essas pessoas
encontraram certo padre celebrando Missa, a quem logo martirizaram sobre o altar.
Aqueles que conseguiram
escapar fugiram para Civitote, outros se atiraram de cabeça no mar, enquanto
alguns se esconderam nas florestas e montanhas.
Mas os turcos, perseguindo-os até a fortaleza, colheram madeira para
queimar o forte. Os cristãos que estavam no forte, portanto, atearam fogo à
madeira que tinha sido colhida, e o fogo, virando em direção dos turcos, cremou
alguns deles; mas o Senhor livrou nosso povo do fogo naquele momento.
No entanto, os turcos
pegaram-nos vivos e dividiram-nos, assim como haviam feito aos outros, e os
espalharam por todas estas regiões, alguns para Chorosan e outros para a
Pérsia. Isso tudo aconteceu no mês de
outubro. O Imperador, ao ouvir que os turcos tinham dispersado nosso povo desta
maneira, ficou extremamente feliz, mandou buscá-los e os fez cruzar o Estreito.
E depois de o terem atravessado, comprou todas as suas armas.
Pedro O Eremita
0 Comentários