3. O RPG em sala de aula
Mas, como usar o jogo americano em
sala de aula? Ainda não existe um plano metódico forte, visto que é um processo
relativamente novo, ainda em formação, e também por se tratar de um jogo
extremamente flexível. De acordo com alguns teóricos da área, são necessárias
algumas modificações do foco original. O psicólogo Alfeu Marcatto esclarece a
importância de utilizar a maioria da sala de aula numa partida, excluindo
apenas os que não quiserem participar. De acordo com ele, a melhor saída para o
professor, que geralmente assume papel de mestre no jogo, é dividir a classe em
grupos, afinal, admitir que cada aluno crie uma personagem com personalidade
própria é aceitar o caos no interior da classe.
Não é demasiado lembrar que aqueles
que não participarem do jogo deve assisti-lo, atuando como observadores,
absorvendo o conteúdo. Somado a isso, é interessante que o tutor leve para a
sala de aula elementos que estimulem a visualização do passado, como mapas de
determinado período, apresentação de vestuário, culinária, músicas etc.
Iniciada a aventura, o docente deve trazer à tona o cenário histórico,
descrevendo bem como era o ambiente. Relatos de personagens da época são
extremamente úteis para visualizar o meio histórico, e melhor ainda se forem de
personalidades de ideologias ou classes sociais distintas,
para, assim, comparar as diferentes visões de mundo.
Com o roleplaying game, é
possível trabalhar com diversas visões de um momento histórico, ou seja, com a
História vista por diversas expectativas. Imaginemos, então, uma sessão de RPG
habitada no cenário da revolução inglesa do século XIX. O docente poderia, sem
muitos problemas, dividir a classe em três grupos: os operários, a aristocracia
decadente, e a forte burguesia. A chave da narrativa seria simples: alguns
burgueses convidariam dados aristocratas para possíveis tratos econômicos
(mostrando que a aristocracia exerceu influência na Revolução Industrial,
apesar de ela, geralmente, ser vista como uma dicotomia entre operários e
burgueses), enquanto a prole exerceria um árduo trabalho nas fábricas.
Apresentar músicas de Mozart e Beethoven durante a narrativa é útil para
visualizar o passado assim como gravuras, mostrando a diferença no vestuário
dos proletários e da burguesia, que pode ser encontrada no famoso A Era das
Revoluções do Historiador Eric Hobsbawn.
O professor mostraria um ambiente
luxuoso para o trato entre burgueses e aristocratas, deixando que os alunos
negociem ficticiamente. Durante o jogo, o docente apontaria características que
eram comuns ou não aos negócios de ambos, construindo assim o conhecimento.
Após essa cena, seria focado o outro grupo, a miserável prole. O mestre não
descreveria um ambiente luxuoso, nem as melodias dos geniais músicos,
mostraria, em contrário, uma Londres imunda e a má sinfonia composta pelas
máquinas. O GM deve descrever bem as imundas roupas, o cansaço físico e mental
dos operários e fazer com que eles se revoltem. Narrar desmaios e apontar que
as personagens do grupo lembram-se de acidentes na indústria serviria de lenha
para a insurreição. O importante é que o levante aconteça dentro do jogo, seja
bem sucedido ou não. Após isso, os outros dois grupos visitariam a fábrica,
que, por sua vez, poderia estar tanto em funcionamento como em ruínas,
dependendo das ações do outro grupo.
É importantíssimo o uso de PdM
(personagens do mestre) na trama. Elas atuam como uma carta na manga, extremamente
útil, quando as ações dos jogadores não levam à história elaborada pelo mestre.
Daí, então, observando o funcionamento da maquinaria e seus possíveis lucros, o
grupo aristocrata decidiria realizar ou não uma parceria com o grupo dos
burgueses, encerrando a sessão. Ao término da partida, o professor esclareceria
melhor os aspectos histórico-sociais e recomendaria pesquisas sobre o tema,
fazendo com que seus alunos se divertissem jogando e preenchendo o cenário
fictício-histórico criativamente. Após a pesquisa, recomendaria a produção de
textos narrativos, que mesclassem o elemento lúdico ao saber histórico, uma
limitada flexibilidade para os alunos criarem histórias, utilizando o
conhecimento acadêmico. De acordo com Marcatto: “A aventura estimula estudos e
pesquisas”.
Somado a isso é útil estimular o
elemento fantasia nas partidas. Usufruir de componentes místicos estimula a
atenção dos alunos. Um cenário que mescle dados históricos com fadas, vampiros,
magos e uma dose de horror sobrenatural são úteis à imaginação
do aluno. O cenário do sistema Castelo Falkestein, por exemplo, reflete bem
isso. Nele, encontramos uma Revolução Industrial avançada, numa Europa bastante
parecida com a do século XIX, habitada por seres humanos, dragões e anões.
Percebemos,
nos ambientes, variados elementos históricos, como a situação germânica do
período, e personalidades como Von Bismarck e Karl Marx. Além disso, vemos
ícones da literatura mundial – Mary Shelley, por exemplo, não criou o
Frankenstein, visto que ele realmente existiu em tal universo, ela apenas
relatou a vida do Dr. Vitor e sua prole de um modo artístico. Acompanham à
autora outros, como Júlio Verne.
Tratando-se do horror extraordinário,
é interessante nos servirmos dele, pois poderemos esclarecer aspectos das
mentalidades de nossos antepassados, conhecendo-nos melhor, afinal, não mais se
admite que “a história de todas as sociedades que existiram até hoje é a
história de lutas de classes”.
O educador Gilberto Freyre já
defendia a importância do imaginário na escrita da história, explanando sobre o
passado da capital pernambucana, argumenta: “Os mistérios que se prendem à
história do Recife são muitos: sem eles o passado recifense tomaria o frio
aspecto de uma história natural. E pobre da cidade ou do homem cuja história
seja só a história natural” 9. Vemos, então, que algumas aventuras podem
utilizar determinados contos de terror para reconstituir o imaginário popular.
Ao invés de incorporar apenas vampiros ou políticos, como acontece no famoso
RPG Vampiro: a máscara, que tal assumir a personalidade de oculistas
pernambucanos, caçando o Boca-de-Ouro, a Cabra Cabrila ou o Papa-Figo e
relacionar tais lendas ao período histórico em que foram criadas?
Durante a narrativa,
isso é possível, introduzindo personagens que conheçam bem tais lendas, assim,
além de se divertirem numa aventura de suspense, os alunos passariam a conhecer
melhor de onde surgiram esses seres sobrenaturais e ainda usufruiriam do
conhecimento histórico, visto que tais mitos devem ser relacionados ao tempo em
que foram criados. E por que não, após a aventura, relacionar a esse ponto uma
discussão acerca da importância do medo do sobrenatural na obediência infantil,
o temor como instrumento disciplinador? – são algumas das possibilidades
leitoras e de produção criativa do RPG em sala de aula.
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