Olá a todos.
Para entender melhor os dois conceitos principais do cenário do Vampiro: A Idade das Trevas, que são a Longa Noite e o Medieval Sombrio, temos que entender primeiro o seu subtítulo, “The Dark Ages”, traduzido pela Devir como “A Idade das Trevas”. Sim, porque este subtítulo não está na capa por ser uma expressão bonita para ser utilizada em um livro que fala sobre sanguessugas medievais, o conceito por trás desta expressão permeia todo o livro e se estende para seus suplementos, além de ser o pano de fundo para a Longa Noite e a base do Mundo Medieval Sombrio.
Para isso temos que responder duas perguntas, primeiramente; A Idade das Trevas existiu? E depois, a Idade das Trevas histórica tem relação com aquela que está descrita no livro?
E a resposta para esta pergunta como quase toda resposta dada por um historiador, é sim... e não!
Mas antes, cabe aqui uma explicação, eu sempre fui um fã da Idade Média como tempo histórico e principalmente do seu ápice que foram as Cruzadas, e apesar de ter tido um disciplina no segundo semestre sobre História Medieval na UFPA, nós não aprendemos sobre História Medieval, mas sim o que se escreveu e como se escreveu sobre a História Medieval através dos séculos e das escolas históricas, isso é o que os historiadores chamam de “Historiografia”, o estudo da escrita da História, e foi, principalmente, na historiografia, inglesa, que surgiu o termo “Dark Ages”.
Quase todo mundo que esteve na escola nos anos 80 teve contato com a “idade das Trevas”, eu tenho um desses livros em casa, que uso como fonte histórica e que diz o seguinte:
Na época da Renascença (Séculos XIV, XV e XVI) tornou-se costume dividir a História em três grandes períodos: Idade Antiga, Idade Média e Idade Moderna. Acreditava-se que a humanidade havia presenciado duas fases de progresso (Antiga e Moderna), separadas por um período de “Trevas”, a Idade Média. Na época medieval, a sociedade se caracterizava pela ignorância, superstição e miséria, esquecendo-se do conhecimento, preocupada apenas com a vida após a morte na Terra,
Mas essa ideia de “Idade das Trevas” surge primeiramente, porque os renascentistas contrários a Igreja e acreditavam que neste período o Catolicismo reinava absoluto, e também porque, equivocadamente, eles achavam que todo o período medieval possuía traços culturais únicos, idênticos e que não houve mudanças, rupturas e avanços naquele período.
Historicamente, a Idade Medieval tem início na queda do Império Romano e termina na chegada de Cristovão Colombo na América, mais de 1000 anos, mais de dez séculos, acreditar que não houve nenhum avanço, seja cultural, tecnológico e científico neste período foi um grande equívoco. Entretanto houve um período que podemos chamar de “Idade das Trevas”, e esse foi o período que a historiografia inglesa chamou de “Dark Ages”, situada entre a queda do Império Romano, no século V e a formação do Império Carolíngio, com o reinado de Carlos Magno no século VIII. Hoje nós chamamos este período histórico de Alta Idade Média.
Mas, muitos dos relatos que chegaram até os tempos atuais relatam este período como obscuro por conta das invasões bárbaras que destruíram aos poucos a civilização romana; cidades abandonadas e em ruínas, estradas destruídas, zonas agrícolas que viraram novamente florestas e o esquecimento das técnicas de extração de minerais e pedras preciosas, além da fome e das doenças que dizimaram o pouco que havia restado da população, a Europa no século III tinha entre 30 e 40 milhões de habitantes, no século VII restavam pouco mais de 14 milhões.
Não quero transformar este post em um tratado de história medieval, então para finalizar voltemos às questões do início, a Idade das Trevas existiu?
Sim, houve um período da Idade Média que a historiografia, sobretudo a inglesa, chamou de “Dark Ages”, entre o século V e o século VIII.
E não, com as mudanças sofridas pela História, como disciplina acadêmica, os historiadores puderam estudar as narrativas deste tempo, que passou a ser chamado de Alta Idade Média.
E é tendo como base esta interpretação errônea da Idade Média é que no livro, Vampiro: A Idade das Trevas, que surge a Longa Noite, com o apagar das luzes do Império Romano, o mundo torna-se Medieval e Sombrio, em um período que vai do século V ao século XIII, da queda de Roma até a queda de Constantinopla em 1204, que marca o fim por completo da influência romana na Europa, mas o ano em que o Lore do livro está situado, 1197, está longe da “Dark Ages” que consta em seu subtítulo. O ano de 1197 está historicamente situado no Feudalismo e na Cristandade Medieval.
Isto é, sem dúvida, um erro temporal do livro, mas também podemos identificar facilmente o motivo deste erro.
Na página 29 do Vampiro: A Idade das Trevas estão as referencias de filmes e livros para serem assistidos pelos jogadores e narradores para formarem o conhecimento prévio para as suas crônicas no cenário, Focando nos livros, são oito volumes indicados pelos autores, um, “The Brother Caedfel Mysteries”, é de ficção, dois deles são enciclopédias, que sabemos, são fontes rápidas de informação, mas sem nenhuma segurança quanto à natureza das mesmas, os restantes são livros de história medieval, escritos de forma não acadêmica, por historiadores ingleses.
Para piorar para nós, jogadores de RPG brasileiros, nenhum dos livros tinha tradução para o português na época e nem hoje.
Existem outros equívocos históricos que estão presentes no livro, que trarei em outra postagem, mas, não estou aqui dizendo que o livro está todo errado ou que é um “lixo completo” em termos de história. Eu, por exemplo, aprendi e me diverti muito com ele, e só pude observar e apontar tais erros quando me tornei historiador de fato, Afinal ele cumpre a sua função mais básica, aquilo para o qual ele foi escrito, divertir e entreter os jogadores de RPG e não para ensinar história, isso cabe ás escolas e aos professores, mas eles podiam ter ser focado um pouco nos livros históricos de GURPS e não usado enciclopédias como livro de referências.
Pelo menos eles aprenderam a lição quando lançaram o primeiro livro com temática histórica do Vampiro: O Réquiem, o sucessor espiritual do Vampiro: A Máscara. O livro se chama “Requiem for Rome” e leva os nossos queridos sanguessugas para tentarem viver e sobreviver á queda do Império Romano, na verdadeira “Dark Ages” da historiografia inglesa.
2 Comentários
PS: ponto pela citação de GURPS na postagem como uma boa fonte de referências, hahaha! XD
Aqui satisfação do leitor é garantida!
hahahaha