Em Clermont-Ferrand, no coração da França, o 27 de novembro
de 1095, diante de um Concílio de 13 arcebispos e 225 bispos, o Bem-aventurado
Papa Urbano II pregou a primeira cruzada.
O espetáculo era comovedor.
Um Concílio, sob a presidência de um Papa sentado na Sede de
São Pedro: a luz colocada num candelabro para iluminar todos os povos.
Aquele que é o foco de irradiação da virtude, na cátedra que
ensina a verdade e o bem, se dirige às falanges de Nosso Senhor e de Nossa
Senhora para a luta contra o mal.
Este homem, como um novo anjo, na cátedra de São Pedro se
toma de zelo pela desventura dos lugares Santos.
Ele não pode tolerar que os lugares Santos estejam de posse
de infiéis.
Ele não pode suportar que seja tão difícil chegar até os
lugares Santos, para ali prestar culto a Nosso Senhor Jesus Cristo.
Ele, em nome de Nosso Senhor, agindo como seu vigário na
Terra, convoca a primeira Cruzada.
Eis suas palavras que ficaram registradas para a História:
Ó Francos, de quantas maneiras Nosso Senhor vos abençoou?
Vede quão férteis são vossas terras. Quão verdadeira é vossa fé. Quão
indisputável é vossa coragem.
A vós, abençoados homens de Deus, dirijo estas palavras. E
que não sejam levadas levianamente, pois são expressas pela Santa Igreja, que,
pelo sagrado pacto com Nosso Senhor, é sua santíssima voz na terra.
Vós que sois justos e bons, vós que brilhais na santa fé
escutai. Sabei da justa e grave causa que nos reúne hoje aqui, sob o mesmo
teto, na piedade de Nosso Senhor.
Relataremos fatos horríveis que ouvimos sobre uma raça de
homens completamente afastados de Deus e desprovidos de fé. Turcos, Persas,
Árabes, amaldiçoados, estranhos a nosso Deus, que devastam por fogo ou espada
as muralhas de Constantinopla, o Braço de São Jorge.
Até hoje, por misericórdia do Supremo, Constantinopla foi
nossa pedra, nosso bastião da fé em território infiel. Agora essa sagrada
cidade encontra-se desfigurada, ameaçada.
Quantas igrejas esses inimigos de Deus conspurcaram e
destruíram? Ouvimos de altares e relíquias sendo profanados por sujeira
produzida por corpos Turcos. Ouvimos sobre verdadeiros crentes sendo
circuncidados e o sangue desse ato sendo vertido em pias batismais.
O que podemos vos dizer? Turcos transformam solo sagrado em
estábulo e chiqueiro, expelem o conteúdo de seus fétidos e putrefatos corpos em
vestimentas dos emissários do Evangelho de Nosso Senhor.
Os descrentes forçam Cristãos a ajoelhar sobre essas roupas
imundas, curvar as cabeças e esperar o golpe da espada.
Essas vestes, que através da imundície e sangue são
testemunhas das aberrações fruto da falta da verdadeira fé, são exibidas junto
com corpos dos mártires.
O que mais devemos lhes dizer, ó fieis? Turcos abusam de
mulheres cristãs. Turcos abusam de crianças cristãs.
Pensai nos peregrinos da fé que cruzam o mar, obrigados a
pagar passagem em todos os portões e igrejas de todas as cidades. Quão frequentemente
esses irmãos no sangue de Cristo passam por humilhações e falsas acusações?
Aqueles que viajam na pobreza, como são recebidos nesses
lugares de nenhuma fé? São vasculhados em busca de moedas escondidas. As
calosidades em seus joelhos, causadas pelo ato de fé ao Nosso Senhor, são
abertas por lâminas. Aos fiéis são dadas bebidas vomitórias para que sejam
vasculhadas suas emissões estomacais.
Após isso são ainda obrigados a sorver excremento liquefeito
de bodes e cabras de forma a esvaziar suas entranhas. Se nada for encontrado
que satisfaça esses filhos do inferno, ó fieis, escutai.
Turcos abrem com lâmina da espada as barrigas dos
verdadeiros seguidores, de Jesus Cristo em busca de peças de ouro ingeridas e
assim escondidas.
Espalham e retalham entranhas mostrando assim o que a
natureza manteria secreto. Tudo a procura de riquezas ou por prazer insano.
Turcos perfuram os umbigos dos fiéis, amarram suas tripas a
estacas e afastam os cristãos, prendendo-os com cordas a outro poste, de forma
a que vejam suas próprias entranhas endurecendo ao sol, apodrecendo e sendo
consumidas por corvos e vermes.
Os Turcos perfuram irmãos na fé com setas, fazem dos mais
velhos alvos móveis para seus malditos arcos.
Queimam os braços e pernas dos
mártires até carbonizá-los e soltam cães famintos para os devorar ainda vivos.
Ó Francos, o que dizer? O que mais deve ser dito?
A quem, pois, deve ser dirigida a tarefa de vingança tão
santa quanto a espada de São Miguel?
A quem Nosso Senhor poderia confiar tal tarefa senão aos
seus mais abençoados e fiéis filhos?
Ó Francos, vós não sedes habilidosos cavaleiros? Poderosos
guerreiros ao serviço da palavra de Deus?
Próximos a São Miguel na habilidade
de expurgar o mal pela espada?
Dêem um passo a frente!
Não mais levantarão as espadas entre si, ceifando vidas e
pecando contra o Evangelho. Aproximem-se guerreiros abençoados.
Os que dentre vocês roubaram tornem-se agora soldados, pois
a causa é suprema. Aqueles que cultivam mágoas juntem-se aos seus causadores,
pois a irmandade é essencial ao objetivo.
Aproximem-se os que desejam vida eterna, aproximem-se os que
desejam absolvição no sagrado.
Sabei que Nosso Senhor espera seus filhos em lugar
abençoado. Na palavra do Santíssimo seguirão e combaterão, não deixem que
obstáculos os parem, creiam na palavra de Deus e nada os deterá.
Deixai todas as controvérsias para trás! Uni-vos e
acreditai! Não permitais que posses ou família vos detenham.
Lembrai-vos das palavras de Nosso Salvador, “Aquele que
abandonar sua morada, família, riqueza, títulos, pai ou mãe pelo meu nome,
receberá mil vezes mais e herdará a vida eterna”.
Se os Macabeus dos tempos de outrora conquistaram glória
pela sua luta de fé, da mesma forma a chance é ofertada a vós.
Resgatai a Cruz, o Sangue e a Tumba de Nosso Senhor. Resgatai
o Gólgota e santificai o local.
No passado vós não lutastes vos pondo em risco de perdição?
Não levantastes aço contra iguais? Orgulho, avareza e ganância não foram vossas
diretivas? Por isso vós merecestes a danação, o fogo e a morte perpétua.
Nosso Senhor em sua infinita sabedoria e bondade oferece aos
seus bravos, porém desvirtuados filhos, a chance de redenção. A recompensa do
sagrado martírio.
Ó Francos, ouvi! Deixai a chama sagrada arder nos vossos
corações! Sede instrumentos da justiça em nome do Supremo!
Francos! A Palestina é lugar de leite e mel fluindo,
território precioso aos olhos de Deus. Um lugar a ser conquistado e mantido
apenas pela fé.
Nós apelamos às vossas espadas!
Lutai contra a amaldiçoada raça que avilta a terra sagrada,
Jerusalém, fértil acima de todas outras.
Glorificai as peregrinações para o centro do mundo,
consagrai-vos à Paixão de Jesus Cristo!
Tornai-vos dignos da Redenção pela Sua morte! Glorificai seu
túmulo!
O caminho será longo, a fé no Onipotente torná-lo-á possível
e frutífero.
Não temais Francos! Não temais a tortura, pois nela reside a
glória do martírio!
Não temais a morte, pois nela reside a vida eterna!
Não temais dor, pois a recebereis com resignação!
Os anjos apresentarão vossas almas a Deus.
O Santíssimo será glorificado pelos atos de seus filhos!
Vede à vossa frente aquele que é a voz de Nosso Senhor!
Segui Seu exemplo e palavras eternas!
Marchem certos da expiação de vossos pecados, na certeza da
glória imortal.
Deixai as legiões de Cristo Rei se atracar com o inimigo!
Os anjos cantarão vossas vitórias!
Que os servidores do Evangelho entrem em Jerusalém portando
o estandarte de Nosso Senhor e Salvador!
Que o símbolo da fé seja mostrado em vermelho sobre o
imaculado branco, pureza e sofrimento
expressados!
E que sua palavra seja ouvida como retumbante trovão,
trazendo medo e luz para os infiéis!
Que agora o exército do Deus único brade em glória sobre os
Seus inimigos!
A multidão dos cavaleiros convocados de toda a Europa
respondeu “Deus vult”, “Deus o quer”! Esse brado ecoou pela Europa toda.
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