A partir dessa hora [N.R.: do achado da Santa Lança]
reunimos-nos em conselho de batalha. Imediatamente, todos os nossos líderes
decidiram o plano de enviar um mensageiro para os Turcos, inimigos de Cristo,
para perguntar-lhes afirmativamente:
‒ “Por que motivo entrastes insolentemente na terra dos
Cristãos, e por que acampastes, e por que matais e assaltais os servos de
Cristo?”
Quando seu discurso já tinha terminado, encontraram a Pedro
o Eremita e Herlwin, e disseram-lhes o seguinte:
‒ “Ide para o exército maldito dos Turcos e cuidadosamente
dizei-lhes tudo isso, perguntando-lhes porque eles ousada e arrogantemente
entraram nas terras dos Cristãos e nas nossas próprias”.
Ao ouvir estas palavras, os mensageiros partiram e foram
para a assembléia profana, dizendo tudo a Curbara e aos outros da seguinte
forma:
‒ “Nossos chefes e nobres gostariam de saber porque razão
vós, precipitada e arrogantemente, entrastes em sua terra, a terra dos
Cristãos.
“Pensamos que, sem dúvida, e acreditamos que vós viestes
para cá porque desejais vos tornar inteiramente cristãos; ou viestes aqui com o
propósito de molestar os cristãos em todos os sentidos?
“Todos os nossos chefes juntos pedem-lhe, portanto, que
rapidamente deixem a terra de Deus e dos cristãos, que o santo apóstolo Pedro,
por sua pregação, converteu há muito tempo ao culto de Cristo.
“Mas eles concedem, além disso, que podeis levar consigo
todos os vossos pertences, cavalos, mulas, jumentos, camelos, carneiros e gado;
ser-lhes-á permitido carregar convosco todos os demais pertences, onde quer que
desejem”.
Então Curbara, chefe do exército do Sultão da Pérsia, com
todos os outros, cheio de arrogância, respondeu em linguagem feroz:
‒ Vosso Deus e vosso cristianismo, não procuramos e nem
desejamos, mas absolutamente rejeitamos a vós e a eles. Agora, chegamos aqui
porque muito nos admirava que os príncipes e nobres que vós mencionais chamem
esta terra deles, a terra que tiramos de um povo efeminado.
Agora, quereis saber o que estamos lhe dizendo? Portanto,
voltem logo e informem os seus senhores que se desejarem tornar-se turcos, em
tudo, e quiserem negar o Deus que vós adorais de cabeça baixa, e desprezar suas
leis, nós lhes daremos isso e mais terras, castelos e cidades suficientes. Além disso, por outro lado, (faremos) com que
mais nenhum de vós sejais soldado de infantaria, mas serão todos cavaleiros,
como somos e sempre os teremos em alta estima.
Caso contrário, saibam que todos serão punidos de morte, ou
serão levados acorrentados para Chorosan, para servir a nós e a nossos filhos
em cativeiro perpétuo.
Nossos mensageiros rapidamente voltaram, relatando tudo o
que essa raça crudelíssima havia respondido.
Dizia-se que Herlwin conhecia
ambas as línguas, e ter sido o intérprete de Pedro, o Eremita.
Enquanto isso, nosso exército, ameaçado de ambos os lados,
não sabia o que fazer, pois de um lado eram perseguidos pela fome torturante, e
de outro eram constrangidos pelo medo dos turcos.
Finalmente, quando completaram-se os três dias de jejum, e
foi realizada uma procissão de uma igreja para outra, eles confessaram os seus
pecados, foram absolvidos, e fielmente receberam a Comunhão do Corpo e Sangue
de Cristo; após a coleta das esmolas, celebrou-se uma Missa.
Em seguida, foram formadas seis fileiras de batalha com as
forças dentro da cidade.
Na primeira fileira, bem à frente, estava Hugo, o Grande com
os Francos e o Conde de Flandres; na segunda, o Duque Godofredo com seu
exército; na terceira estava Roberto o Normando, com seus cavaleiros; na quarta,
trazendo consigo a Lança do Salvador, estava o Bispo de Puy, juntamente com seu
povo e com o exército de Raimundo, o Conde de Saint-Gilles, que ficou para trás
para observar a cidadela de medo que os turcos descessem à cidade; na quinta
fileira estava Tancredo, filho de Marchisus, com seu povo, e na sexta fileira
estava o sábio Boemundo, com seu exército.
Nossos bispos, sacerdotes, clérigos e monges, vestidos com
paramentos sagrados, saíram conosco com cruzes, orando e suplicando ao Senhor
que nos protegesse, guardasse e livrasse de todo o mal.
Alguns ficaram na muralha da porta, portando as sagradas
cruzes, fazendo o sinal (da cruz) e nos abençoando.
Assim estávamos armados, e, protegidos com o sinal da cruz
saímos pelo portão que fica diante da mesquita.
Depois que Curbara viu as fileiras dos Francos, tão bem
formadas, saindo uma após a outra, disse:
‒ “Deixem-nas sair, para que melhor possamos tê-las em nosso
poder!”
Mas depois que saíram da cidade e Curbara viu o enorme
exército dos Francos, ele foi muitíssimo assustado.
Imediatamente enviou um recado para o seu Emir, que era
encarregado de tudo, que se visse uma luz queimando na frente do exército,
deveria mandar soar as trombetas para que ele recuasse, sabendo que os turcos
haviam perdido a batalha.
Curbara começou imediatamente a se retirar pouco a pouco em
direção à montanha, e os nossos homens seguiram-lhes pouco a pouco.
Finalmente os turcos se dividiram, uma parte foi para o mar
e o resto parou ali, esperando fechar os nossos homens entre si. Quando nossos
homens viram isso, fizeram o mesmo.
Uma sétima fileira foi formada lá, a partir das fileiras do
Duque Godofredo e do Conde da Normandia, e em sua cabeça estava Reinaldo.
Eles enviaram esta fileira de encontro aos Turcos que
estavam vindo por mar.
Os Turcos, no entanto, travaram batalha com eles, e lançando
flechas mataram muitos dos nossos homens.
Outros esquadrões, além disso,
passaram do rio para a montanha, que estava a cerca de duas milhas de
distância.
Os esquadrões começaram a surgir de ambos os lados e a
cercar nossos homens de todos os lados, lançando jabalinas, atirando flechas e
ferindo-os.
Saíram também das montanhas inúmeros exércitos com cavalos
brancos, cujos estandartes eram todos brancos.
E assim, quando nossos líderes viram este exército,
ignoravam inteiramente o que era e que eram, até que reconheceram a ajuda de
Cristo, cujos líderes eram São Jorge, São Mercúrio e São Demétrio.
Deve-se acreditar nisso porque muitos de nossos homens viu
isso. Entretanto, quando os Turcos, que estavam estacionados no lado em direção
ao mar, vendo que não podiam agüentar mais, atearam fogo à vegetação de modo
que, ao ver isso, aqueles que estavam nas tendas fugiriam.
Estes, reconhecendo esse sinal, pegaram todos seus despojos
preciosos e fugiram. Mas nossos homens combateram ainda um tempo onde se
encontrava o maior exército dos turcos), ou seja, na região das tendas.
O Duque Godofredo, o Conde de Flandres, e Hugo, o Grande
cavalgavam perto da água, onde estava a força do inimigo. Estes homens,
fortificados pelo sinal da cruz, juntos atacaram o inimigo primeiro. Quando as
outras fileiras viram isso, também atacaram.
Os Turcos e os Persas, por sua vez, bradaram. Então,
invocamos o Deus vivo e verdadeiro e os atacamos, e em nome de Jesus Cristo e
do Santo Sepulcro começamos a batalha, e, com a ajuda de Deus, os derrotamos. Mas
os Turcos, apavorados, começaram a fugir e nossos homens os seguiram até suas
tendas.
Então, os cavaleiros de Cristo preferiram persegui-los a
procurar espólios, e os perseguiram até a Ponte de Ferro e, em seguida até a
fortaleza de Tancredo.
O inimigo, na verdade, deixou seus estandartes lá, ouro,
prata e muitos ornamentos, também carneiros, gado, cavalos, mulas, camelos,
burros, cereais, vinho, manteiga, e muitas outras coisas de que precisávamos.
Quando os Armênios e Sírios, que habitavam nessas regiões,
souberam que havíamos vencido os Turcos, correram para a montanha para
encontrá-los e mataram tantos quantos puderam pegar.
Nós, porém, retornamos à cidade com grande alegria e
louvando e abençoando a Deus, que deu a vitória ao Seu povo.
Então, quando o emir, que estava guardando a cidadela, viu
que Curbara e todo o resto havia fugido do campo diante do exército dos
Francos, ficou muito assustado.
Imediatamente e com grande pressa procurou os estandartes
dos Francos. Assim, o Conde de Saint Gilles, que estava estacionado diante da
cidadela, ordenou que seu estandarte fosse levado até ele. O emir pegou-o e
colocou-o cuidadosamente sobre a torre. O Longobardos que estavam lá disseram
imediatamente:
‒ “Este não é o estandarte de Boemundo!”
Então o emir perguntou e disse: “De quem é?”
Eles responderam: “Pertence ao Conde de St. Gilles”.
Nisto o Emir foi e tomou o estandarte e devolveu-o para o
Conde. Mas naquela hora o venerável Boemundo veio e deu-lhe seu estandarte.
Ele recebeu-o com grande alegria e entrou em um acordo com
Boemundo ‒ de que os pagãos que desejassem abraçar o Cristianismo poderiam
ficar com ele, e que ele deveria permitir que aqueles que desejassem ir embora
que partissem a salvo e sem serem molestados.
Ele concordou com tudo o que o emir pediu e logo enviou os
seus servos para a cidadela. Poucos dias depois disto, o Emir foi batizado com
aqueles de seus homens, que preferiram reconhecer a Cristo.
Mas aqueles que desejaram aderir à suas próprias leis, o
Senhor Boemundo mandou que fossem conduzidos para a terra dos Sarracenos.
Esta batalha foi travada no quarto dia antes das calendas de
Julho, na vigília dos apóstolos Pedro e Paulo, no reinado de Nosso Senhor Jesus
Cristo, de Quem é a honra e glória para todo o sempre. Amém.
E depois que nossos inimigos haviam sido completamente
conquistados, demos graças a Deus Trino e Uno, o Altíssimo.
Alguns dos inimigos, exaustos, outros, feridos em sua fuga
desvairada, sucumbiram à morte no vale, floresta, campos e estradas.
Mas o povo de Cristo, isto é, os peregrinos vitoriosos
voltaram para a cidade, rejubilando-se do feliz triunfo sobre o inimigo
derrotado.
Fonte: August C. Krey, A Primeira Cruzada: relatos das
testemunhas e participantes, (Princeton: 1921), 182-85.
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