Boemundo de Taranto
Supõe-se que o autor da “Gesta Dei per Francos” foi
um clérigo, muito próximo, ou a serviço de Boemundo de Taranto, um dos heróis
da I Cruzada. A grande quantidade de pormenores a respeito deste chefe cruzado
fundamenta essa suposição.
Segue o relato do Gesta Francorum:
Mas Boemundo, poderoso na batalha, que estava
envolvido no cerco de Amalfi no mar de Salerno, soube que uma hoste incontável
de Cristãos de Francos havia chegado para ir ao Sepulcro do Senhor, e que
estavam preparados para dar batalha contra a horda pagã. Começou então a
investigar de perto que armas de combate essas pessoas portavam, e que sinal de
Cristo carregavam no caminho, ou que brado de guerra davam.
Em ordem, foram-lhe dadas as seguintes respostas:
‒ “Eles carregam armas adequadas para a batalha;
‒ no ombro direito, ou entre ambos os ombros, usam
eles a Cruz de Cristo;
‒ o brado, “Deus o quer! Deus o quer! Deus o quer”!”bradam
eles, em verdade, a uma só voz”.
Movido diretamente pelo Espírito Santo, ordenou que
a mais preciosa capa que trazia consigo fosse cortada em pedaços, e logo fez
com que dela se fizessem cruzes. Então, a maioria dos cavaleiros engajados naquele
cerco correu ansiosamente até ele, de maneira que o Conde Rogério permaneceu
praticamente sozinho. Retornando à sua terra de origem,
o Senhor Boemundo diligentemente se preparou para empreender, com seriedade, a
viagem ao Santo Sepulcro.
Finalmente, cruzou ele o mar com seu exército. Com ele estavam Tancredo, filho
de Marchisus, Ricardo de Principati e Rainulfo seu irmão, Roberto de Anse,
Herman de Cannae, Roberto do Vale Surda, Roberto, filho de Tostanus, Hunfredo,
filho de Raoul, Ricardo, filho do Conde Rainulfo, o Conde de Roscignolo com
seus irmãos, Boellus de Chartres, Albered de Cagnano e Hunfredo do Monte
Seaglioso.
Todos estes cruzaram o mar para prestarem serviço a Boemundo e desembarcaram na
região da Bulgária, onde encontraram uma grande abundância de cereais, vinho e
alimentos.
Daí descendo para o vale do Andronópoli, eles esperaram até que todos também
tivessem cruzado o mar. Em seguida, o sábio Boemundo convocou um conselho com
seu povo, confortando e admoestando a todos (com estas palavras):
‒ “Senhores, ouvi vós todos, porque somos peregrinos
de Deus. Devemos, portanto, ser melhores e mais humildes que antes. Não
saqueiem esta terra, uma vez que ela pertence aos Cristãos, e que ninguém, sob
pena de ferir-se, tome mais do que necessita para comer”.
Partindo dali, caminhamos com grande abundância, de vila a vila, cidade a
cidade, fortaleza a fortaleza, até chegarmos a Castoria.
Castelo de Taranto
Lá comemoramos solenemente o Natal do Senhor. Ficamos lá por vários dias e
procuramos um mercado, mas as pessoas não estavam dispostas a nô-lo conceder
porque temiam-nos muito, pensando que não viemos como peregrinos, mas para devastar
sua terra e matá-los.
Por isso, tomamos seu gado, cavalos, jumentos, e tudo que encontramos. Deixando
Castoria, entramos em Pelagonia, onde havia certa cidade de hereges
fortificada. Atacamo-la por todos os lados, e ela logo cedeu à nossa influência.
Então, ateamos fogo nela e queimamos o campo com seus habitantes, isto é, a
congregação dos hereges.
Mais tarde, chegamos ao rio Vardar. E então o Senhor Boemundo atravessou com
seu povo, mas não com todos, pois o Conde de Roscignolo com seus irmãos ficaram
para trás.
Nisso, um exército do Imperador veio e atacou o Conde com seus irmãos e todos
que estavam com eles. Tancredo, ouvindo isso, voltou e, arremessando-se para o
rio nadou ao encalço dos outros, e dois mil foram para o rio seguindo Tancredo. Finalmente, caíram eles sobre os Turcopolos e
Patzinaks, lutando com nossos homens. Eles (Tancredo e seus homens)
atacaram o inimigo repentina e corajosamente e os venceram gloriosamente.
Tomaram a vários deles e levaram-nos, atados, na presença de Boemundo, que
falou para eles da seguinte forma:
‒ “Homens miseráveis, por que motivos matam o povo de Cristo e o meu? Não tenho
nenhuma desavença com seu Imperador”.
Eles responderam: “Não podemos fazer o contrário, estamos a serviço do
Imperador, e o que ele ordena devemos cumprir”.
Boemundo lhes permitiu partir impunes. Esta batalha foi travada no quarto dia
da semana, que é o início do jejum. Por tudo seja bendito o Senhor! Amém. O infeliz Imperador enviou um dos seus homens, a
quem ele muito amava, e a quem chamam Corpalatius, juntamente com nossos
enviados, para nos conduzir em segurança através de sua terra até que
chegássemos a Constantinopla.
E, enquanto fazíamos uma pausa diante de suas cidades, mandou que os habitantes
nos oferecessem víveres, assim também como fizerem os de quem temos falado.
Na verdade, tinham eles um tão grande temor pelo mais valente exército do
Senhor Boemundo, que não permitiram que nenhum de nós entrasse nas muralhas da
cidade.
Nossos homens queriam atacar e tomar uma determinada cidade fortificada porque
estava cheia de todos os tipos de produtos.
Mas o renomado Boemundo recusou-se a dar permissão, não só por justiça para com
a terra, mas também por causa de seu juramento ao Imperador.
Portanto, ao saber das notícias, ficou enormemente irritado com Tancredo e todo
o resto. Isso aconteceu ao entardecer.
Quando amanheceu os moradores da cidade saíram e, em procissão, carregando
cruzes em suas mãos, puseram-se na presença de Boemundo. Satisfeito, ele os
recebeu, e com alegria deixou-os partir.
Em seguida, chegamos a certa cidade chamada Serrhae, onde montamos nossas
tendas e tivemos provisões suficientes para aquele momento.
Lá o culto Boemundo fez um acordo muito amistoso com Corpalatius e, em
respeito por sua amizade, bem como por justiça para com a terra, ordenou que
todos os animais que tinham sido roubados por nossos homens fossem devolvidos.
Corpalatius prometeu a ele que enviaria mensageiros para, em ordem, devolver os
animais a seus proprietários. Então, continuamos de castelo em castelo e de
vila a vila até a cidade de Rusa. O povo dos Gregos saiu, trazendo-nos
muitas provisões, e foi alegremente ao encontro do Senhor Boemundo. Lá,
instalamos tendas, no quarto dia da semana antes da festa do Senhor.
Lá também, o douto Boemundo deixou todo o seu exército e avançou para falar com
o Imperador em Constantinopla. Deu ele ordens a seus vassalos, dizendo:
‒ “Aproximem-se da cidade gradualmente. Eu, porém,
continuarei à frente”. E ele levou consigo alguns à frente do exército de
Cristo e, vendo os peregrinos comprando comida, disse a si mesmo que sairia da
estrada e conduziria o seu povo onde viveriam felizes.
Finalmente, entrou ele em certo vale cheio de bens de todos os tipos que são
alimento adequado para o corpo, e nele celebramos a Páscoa com muitíssima
devoção.
Castelo de Taranto - Antigo reino de Aragão
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